1. OS CAMINHOS DO SENHOR


A idéia de fundar Missões no Exterior foi sempre um objetivo perseguido pela Congregação dos Estigmatinos.

Latente no lema do Fundador: "Ide a qualquer lugar na diocese e no mundo", esteve sempre presente na mente de vários Superiores Gerais.

Grande vibração pelas Missões no exterior aconteceu em 1884. O Vigário Apostólico da África Central, Dom Francisco Sogaro, fez algumas propostas ao Instituto, ao qual já tinha pertencido. Estas não foram aceitas por dificuldades ingentes, sobretudo, pelos reduzidos recursos humanos do Instituto.

O Capítulo Geral de 1890 reuniu-se para a elaboração definitiva das Constituições, de acordo com as observações feitas pela Santa Sé quando da aprovação do Instituto.

No Capítulo a questão das Missões no exterior foi tratada com calorosa intensidade, e teve um final doloroso. Alguns padres, entusiasmados pelas missões, deixaram a Congregação.

Evidentemente, os tempos e as circunstâncias do Instituto não estavam ainda preparados para digerir a idéia que medrava no coração de muitos confrades. São Gaspar, no céu, certamente, julgava não ter chegado ainda a hora de dar o sinal divino para o novo passo.

Os caminhos do Senhor são diferentesA “Mão de Deus” em nossa atividade missionária veio na metade de 1910. No mês de maio daquele ano, apareceu na Itália, um sacerdote de Sete Lagoas, Estado de Minas Gerais. Apresentou-se ao Superior Geral, Pe. Pio Gurisatti, pedindo alguns padres. Ele os levaria àquela região do Brasil, onde muitas famílias italianas viviam em colônias. Segundo ele havia ali uma bela igreja, onde, em breve poderia construir-se um pequeno seminário ou um colégio.

A notícia espalhou-se com a velocidade do relâmpago por toda a Congregação. Muitos padres se dispuseram para o trabalho. No entanto, as semanas e os meses passavam e não se chegava a uma decisão definitiva sobre uma fundação no Brasil.

Eu residia na Casa de Pavia, quando o Superior Geral, Pe. Pio Gurisatti, fez uma visita à Casa de Parma. Fui até lá. Na sacristia da Igreja de São Tiago encontrei-me com ele, e fui perguntando de imediato:
- Como é? Vamos para o Brasil?
- Claro! Com certeza! Faltam somente alguns detalhes. A partida será em novembro próximo. Irei a Piacenza e me encontrarei com Pe. Grigolli. Mandar-lhe-ei notícias.

Eis em poucas palavras minha primeira entrevista com o Superior Geral a respeito da Missão no Brasil. Mandar-lhe-ei notícias, disse-me. Mas não tocou mais no assunto. Eu esperava ansiosamente e com o pensamento no Brasil, noite e dia, pedindo a Nossa Senhora que abençoasse a iniciativa.

Alguns padres que tinham se oferecido para partir voltaram atrás e abandonaram o propósito.

Em Pavia, eu passava as horas com meus confrades falando das Missões, das conversões dos infiéis, dos trabalhos apostólicos, das florestas, dos animais ferozes, da grandeza do Brasil, que parecia fosse todo meu. Ainda não conhecia a língua, mas não seria difícil aprendê-la.

No dia 25 de outubro eu conversava com o querido Pe. Baretella, sentado no terraço do pátio da igreja dos Santos Felipe e Tiago, quando vi entrar pelo enorme portão da casa Pe. Alexandre Grigolli. Ele carregava uma mala. Ele me viu e gritou:
- Vamos!!!
- Pra onde?
- Para a América!

Desci depressa as escadas e procurei ansioso saber alguma coisa. Ofegante, Pe. Grigolli me explicou:
- É verdade! Tudo foi acertado. Pe. Sanson nos levará ao Brasil, pagará a viagem e tudo o mais. Iremos com mais de 150 famílias de colonos do Friuli, de Pordenone, de Codroipo, de Sacile, de Tarcento. Está tudo combinado com o Pe. Superior: eu, você e irmão Domingos partiremos de Trieste no próximo dia 8 de novembro. Prepare-se logo, pois não há tempo a perder. Temos 2.000 liras para providenciar o que for necessário: roupas e objetos que possam ser úteis na Missão.

Não consigo descrever a alegria que senti naquele momento. Escrevi imediatamente ao pároco de Sezano desmarcando o oitavário dos mortos que deveria pregar. Corri para a casa de alguns amigos que tinha em Pavia. Pedi meias, ceroulas, lenços, camisas, e outras roupas. Serei eternamente grato a todos, especialmente à virtuosa e querida senhorita Gaetana Radlinski que me cumulou de muitos presentes. Uma mala foi suficiente para meus objetos pessoais.

Viajei imediatamente para Verona e São Máximo. Expliquei tudo rapidamente a meus pais, que se espantaram com a notícia.
- O Brasil? Não é aquele país onde estão muitos italianos? Que em 8 dias se vai e volta?
Mas eu sonhava. E falei, tentando ser convincente:
- Poderei fazer tanto bem na Missão. Escreverei sempre. Estaremos sempre unidos.

Papai conformou-se facilmente, mas mamãe, não! Eu tinha, na época 27 anos de idade e somente 3 de sacerdócio. Embora tivesse passado em Verona muitos anos, durante os estudos e, portanto, muito perto da cidade natal e de meus pais, posso garantir que quase não estivemos juntos. E agora iria deixá-los desta maneira!

Eles derramaram lágrimas. Eu fiquei com o coração partido. Com Pe. Mantovani fui a Lecco para comprar um harmônio Tubi, com o intuito de alegrar nossas reuniões e a igreja da Missão. Comprei também um capote impermeável e uma máquina fotográfica, bem baratos, por sinal. É que todas as despesas dependiam das 2000 liras.

Recebemos cumprimentos de todo o lado. No dia 5 de novembro, encontrei-me com Pe. Alexandre nos Estigmas, em Verona, pronto para viajar.

Porto de Trieste atualmenteO que não conseguia entender era a razão para se sair de Trieste em um navio da Companhia Austro-Americana e não da Itália. Soube mais tarde, e vocês também entenderão, mas... infelizmente tarde demais! No entanto, Pe. Grigolli explicou-me que Pe. Sanson assim decidira porque na Itália havia uma epidemia e, se tivéssemos saído de um porto italiano e com um navio italiano, nos deixariam de quarentena ao largo do porto do Rio de Janeiro. Bela invenção. Não me convenci. O desmentido veio três dias depois.