16. SOZINHOS E DONOS


Eu tinha preparado uma festa na casa de Tibagi.
Emprestaram-me um cavalo e no dia 25 de abril encontrei-me com Pe. Alexandre a cinco quilômetros. Estava radiante de alegria e cansado a mais não poder. Disse-me:
- Meu caro, parece que sou um só com o cavalo. Como é longe de Castro até aqui! Porém, tudo está combinado. Devemos comemorar essa data.
- Mas é claro - respondi - e saiba que já está tudo preparado.

De fato já havia matado e mandado preparar pela negra Florinda (a mesma que servia os padres há anos) o maior dos 15 perus inventariados dias atrás. Mandei que se preparassem grandes fatias de um queijo à veronesa, frutas de todo tipo, o verdadeiro café brasileiro e o tal vinho com gosto de percevejo. Tudo ficou para o dia seguinte, pois Pe. Alexandre estava muito cansado; contentou-se com uma sopa e um copo de vinho como janta. Contou muito rapidamente algumas novidades e retirou-se para dormir.

Dia 26 de abril, grande festa. Foi muito íntima, mas grande festa.

As missas foram celebradas em ação de graças. Depois, junto com Florinda preparamos o almoço e, ao meio dia grande festa, grande almoço, grande alegria!

Estávamos finalmente num lugar! Quantos sofrimentos passados! Quanto tempo de espera! Sempre, todavia, com muita coragem e confiança! Creio que tínhamos direito e razão para celebrar aquela data com um almoço extraordinário

Enquanto Pe. Alexandre relatava os afazeres em Curitiba e discorria sobre o contrato, os papéis assinados, sobre o bispo e Pe. Martini, comia-se e bebia-se alegremente. Até que enfim!

Vivemos dias de abstinência forçada, dias em que fomos obrigados ao jejum. Era o momento de passar bem.

Recordo-me de que Ir, Domingos, tendo trabalhado muito na preparação do almoço, dizia:
- Caros, estou vendo as coisas duplamente.
Admirou-se quando o aconselhei:
- Feche um olho e verá uma coisa só. E rimos pra valer.

À tarde depois de rápida janta fizemos um sarau musical. O precioso harmônio que veio conosco, era tocado magistralmente por Pe. Alexandre. Repassamos todas as canções romanas, o hino aos Santos Esposos e tantas outras, até quase meia noite. Cantávamos fortemente. Podíamos fazer isso, porque a casa ficava um pouco retirada das outras; o pessoal da vizinhança era reduzido e não havia perigo de que alguém fosse perturbado ou ficasse escandalizado.

O sacristão Bonifácio tomou parte de nossa festa e de nossa alegria. Se tivesse sabido da nossa Via Sacra nos tempos passados, certamente teria dito:
- Vocês têm muitos motivos para comemorar!

A festa aconteceu só naquele dia. No dia seguinte começou o trabalho de planejamento das atividades e do projeto de viagens missionárias.

Ir. Domingos encarregou-se de cuidar dos animais e da horta. Iniciou levando milho para os cavalos no potreiro.

O potreiro era um pasto fechado com arame farpado ou com madeira, onde se colocavam os animais que deveriam servir para as viagens. Podia ser grande ou pequeno; o nosso media meio quilômetro quadrado. Quem tinha animais para viajar (e quase todos os possuíam) construía um potreiro onde os recolhiam na tarde anterior à viagem. Ordinariamente os animais viviam livres; pastavam de um lado para outro, nos campos e nos bosques. De manhã voltavam para a casa do dono em busca de milho. Mas, com a possibilidade de irem muito longe e não estarem prontos para a hora da partida, na véspera da viagem eram confinados no potreiro. De lá não podiam sair. A comida era suficiente para vários dias.

Ir. Domingos levou milho para nossos cavalos para ver, conhecer e acostumar-se à tarefa. Encantou-se com a mula, batizando-a com o nome de Josefa. Dias antes da viagem cavalgava nela achando-a muito confortável e dócil. Sua verdadeira paixão era a horta. Ali todos trabalhavam um pouco. Mas Ir. Domingos era incansável. Não perdoava as formigas, que eram verdadeira praga; abriam galerias subterrâneas na horta e saiam à noite para limpar alguma planta de nossa estimação.

Ir. Domingos lembrara-se de trazer da Itália sementes de muitos tipos. Colhera outras na horta do orfanato em São Paulo e as semeou; assim podíamos ter verdura fresca e boa durante o ano todo, pois o frio não existia na região. Plantou diversas qualidades de bananeiras e teve o cuidado de fazê-lo cada mês. Assim, no ano seguinte e nos posteriores tínhamos sempre bananas frescas e de várias qualidades. Com a verdura da horta ele criava galinhas e perus; para os porquinhos da índia, uma alimentação especial. No domingo à tarde seu prazer era passear ao longo do rio, talvez, com o olho em algum diamante.

Pe. Alexandre começou logo a convidar meninos para o coral. Estávamos próximos do mês de maio e queríamos celebrá-lo solenemente. Cada dia, por algumas horas depois do almoço, ouviam-se o harmônio e os ensaios dos meninos que aprendiam melodias conhecidas nossas. Cantavam em português, mas eram as mesmas que tínhamos ouvido centenas de vezes nos Estigmas no tempo da nossa juventude. Foi anunciada com grande propaganda a devoção do mês de Maio. Todas as tardes havia a reza do terço, seguida de um canto e da bênção do Santíssimo Sacramento, terminando-se tudo com outro canto. Tivemos enorme presença de fiéis durante todo o mês.

A primeira comunhão de quinze meninos e meninas, fechando o mês, suscitou verdadeiro entusiasmo. Fui encarregado de começar a preparação desde o primeiro dia. As crianças foram pontuais, todos os dias. Consideradas suficientemente preparadas, decidiu-se admiti-las à santa comunhão no último dia de maio.

Os meninos usavam roupas próprias, se bem que não fossem novas. As meninas vestidas de branco com véu e coroa de flores brancas artificiais, vindas de Ponta Grossa.

Muitos pais se prepararam também para receber a santa comunhão com seus filhos. Pela primeira vez, depois de muitos anos e com grande aparato jamais visto em Tibagi, celebrou-se uma belíssima festa. Nossa Senhora foi honrada e certamente nos protegerá em nosso ministério. O povo ficou edificado com o apelo feito para uma vida renovada e devota. Conseguimos a simpatia e a benevolência de todos. Recordo-me do velho Eusébio, que tremendo e apoiado no seu bastão, veio em casa depois da festa e nos disse:
- Nunca vi festa assim! Estou velho, mas nunca vi, nunca vi! Beijava nossas mãos e chorava.